Neste momento de extrema dificuldade, em que nossos problemas econômicos se agravam tanto no setor externo como no interno, deparamo-nos com imposições do FMI que exigem um ajustamento imediato às condições contratadas, sob a pena de suspensão de nossos créditos stand-by e de retirada do aval por parte desse organismo. Desta forma, vemos nossas autoridades governamentais anunciando uma serie de medidas para promover estes ajustes. Pelo que se sabe, boa parte destas medidas serão úteis e algumas já deveriam ter sido tomadas há mais tempo. Entretanto, o que mais preocupa é a forma de sua implementação, sob pressão do tempo e do FMI. Na verdade, o processo deve ser invertido. O correto seria, a partir de um planejamento global, tomar as medidas que mais interessam à nossa economia e ao País e em seguida comunicá-las ao FMI.
As sugestões contidas neste contexto são o resumo de um amplo estudo que procura demonstrar a existência e a viabilidade de uma política alternativa de desenvolvimento econômico. Uma alternativa que evite um maior agravamento do quadro econômico e social interno e, em face às atuais restrições, apresente resultados mais favoráveis no médio prazo. Este estudo não tem a pretensão de englobar todas as soluções, nem procura demonstrar que as saídas para a crise são fáceis de serem alcançadas. No entanto, representa uma contribuição e um estímulo ao debate sobre o atual momento econômico.
As atuais restrições ao crescimento residem basicamente nas dificuldades com o setor externo e na política econômica recessiva posta em prática ao final de 1980, com conseqüências bastante negativas em termos de produção industrial e nível de emprego.
Além disso, o atual quadro econômico pode ser agravado pela existência de elementos potenciais de ruptura, como o aprofundamento da crise do setor externo, a perspectiva de eclosão de crise financeira no setor público e a situação de pré-insolvência de parte do setor privado. Após dois anos de recessão econômica, os resultados dessa política são insatisfatórios diante dos custos sociais incorridos.
Em vista desses fatos, impõem-se a elaboração de uma proposta alternativa de política econômica. Esta deverá passar necessariamente pela renegociação dos termos dos acordos estabelecidos com credores externos e com o FMI, de modo a se obter uma folga para a reestruturação planejada da economia. Simultaneamente, a partir de um melhor equacionamento do problema externo, seriam adotadas políticas internas que buscassem a recuperação da produção e do emprego.
A proposição de tal plano não ignora as dificuldades externas do País, nem tampouco os aspectos internos que fatalmente surgirão com as mudanças necessárias para viabilizá-lo, no entanto, parte da convicção de que o impasse atual exige alternativas.
I. Renegociação da divida externa
1. Reescalonamento total dos pagamentos de amortização e juros já vencidos e que deverão vencer nos próximos três anos, tanto da divida de longo como na de curto prazo. O objetivo aqui é o de obter um maior equilíbrio nas condições de pagamentos externos, afastando a possibilidade de uma moratória e abrindo espaço para um planejamento interno mais adequado no médio e longo prazo. No que se refere à divida de curto prazo, devemos fazer gestões junto ao FMI e os governos no sentido de obter créditos que permitam transformá-la em divida de longo prazo.
2. Estabelecer, junto aos organismos governamentais e multilaterais de financiamento, condições de obtenção de novos créditos durante esse período de ajustamento, de forma a garantir as importações necessárias para viabilizar uma política interna de crescimento moderado.
3. Ao final de três anos, o Brasil garantiria o equilíbrio do balanço de pagamentos em conta corrente exclusive juros, isto é, obtenção de um superávit comercial que somado ao investimento externo liquido, se compatibilizasse com a necessidade de recursos para cobrir o déficit da conta de serviços excluídos os juros. Os superávits obtidos nesta conta durante os três anos seriam utilizados para a recomposição do nível de nossas reservas internacionais. A fixação de metas mais realistas para as contas externas baseia-se no pressuposto de que um esforço de redução no nível do endividamento externo somente poderá ser realizado dentro do contexto de recuperação econômica internacional e após a realização dos ajustes necessários em nossa economia.
Paralelamente às negociações a serem desenvolvidas junto aos credores, o governo deveria adotar medidas complementares visando manter um sistema de consultas com os principais países latino-americanos sobre o processo de reescalonamento dos débitos e estreitar os laços políticos com esses países e, de forma a implementar acordos bilaterais de comércio e garantir o abastecimento de matérias-primas. Da mesma forma, o País procuraria implementar acordos bilaterais de trocas com outros países, notadamente com aqueles que também estão em dificuldades, tentando estabelecer condições para trocas diretas, com o objetivo de igualmente garantir o fornecimento de matérias-primas, principalmente petróleo.
Finalmente, seria necessário pressionar politicamente os bancos centrais dos países credores para que absorvam parte de nossos déficits junto a bancos privados locais, transformando-os em créditos governamentais com prazos mais longos e juros mais baixos.
A característica fundamental desta proposta alternativa de renegociação é permitir, ao final de três anos, maior equilíbrio em nossas relações comerciais com o exterior. O equacionamento do problema externo tornar-se-á base essencial de um programa de redução no nível de endividamento que a partir de então será realizado.
II. A opção por um ajuste não recessivo
A economia brasileira atravessa hoje não só uma grave crise externa próxima de uma ruptura de conseqüências imprevisíveis – mas também uma crise interna tão grave quanto a primeira. A inflação, o desemprego, o déficit publico e o elevado grau de endividamento dos setores público e privado são sintomas desta crise, que requer um equacionamento global e urgente.
A crise interna é em parte decorrente do desequilíbrio do setor externo e da política econômica restritiva adotada nos últimos dois anos e meio, mas possui também raízes mais profundas, ligadas ao esgotamento de uma fase de expansão da economia brasileira impulsionada pela implantação de novas indústrias. Os mecanismos institucionais e os instrumentos de política econômica implantados no período pós 64 e que sustentaram a expansão econômica até 1974, também se tornaram crescentemente inadequados frente à nova realidade criada no período posterior aos choques externos. Desta forma, uma política econômica alternativa deve necessariamente englobar não apenas um programa de emergência para aliviar as tensões econômicas e sociais próximas de uma ruptura, mas também um novo programa econômico de alcance muito mais longo, baseado num conjunto de reformas institucionais e em nova estratégia de expansão econômica.
Nas proposições a seguir são sugeridas medidas de curto prazo destinadas a uma fase de transição e voltadas para retomar o nível de emprego e iniciar um processo de reorientação do crescimento econômico. Simultaneamente a estas medidas de curto prazo deveria ser implementado um conjunto de reformas para estabelecer bases mais sólidas para a retomada das condições históricas de crescimento. Entre estas, merece destaque especial a reforma tributaria, necessária não apenas para se obter melhor adequação entre receitas e despesas, como também uma distribuição mais harmônica da carga tributaria.
Recuperação setorial e reestruturação da produção As modificações de política econômica no âmbito interno visariam substituir a inibição generalizada das atividades produtivas – decorrência da política monetária restritiva e dos juros elevados – por uma política de recuperação setorial da produção. Esta mudança seria iniciada com a retomada da atividade nos setores exportadores. O objetivo final seria a reestruturação global dos padrões de produção e consumo, tornando-os adequados não apenas a nova realidade mundial como também as potencialidades de crescimento do mercado interno. Neste sentido torna-se necessário:
a) Determinar um criterioso controle administrativo e setorial de importações, que assegure a compatibilização das metas da balança comercial com a recuperação setorial. Este controle difere da restrição que ora vem sendo praticada por ser seletivo, tornando-se assim compatível com o esforço de substituição de importações e promoção de exportações.
b) Implementar imediatamente, de comum acordo com o setor privado, um programa consciencioso de substituição de importações, visando minorar os problemas que a restrição externa possa trazer ao desenvolvimento do parque industrial. Este programa deve incluir não só as metas prioritárias no curto prazo, mas igualmente as fontes de financiamento e a definição do suporte científico e tecnológico a ser fornecido pelo Estado.
c) Estabelecer uma política industrial e tecnológica para promover setorialmente as exportações, de forma a garantir uma posição mais sólida no comércio internacional.
d) Acelerar a reestruturação do perfil de produção e consumo de energia através de um maior empenho do governo e do setor privado e de uma modificação na estrutura dos preços relativos.
O redirecionamento do esforço produtivo assim obtido permitiria a retomada do crescimento da produção e do emprego no curto prazo, ainda que em níveis limitados, assegurando simultaneamente as bases de um relacionamento comercial mais equilibrado com o setor externo, condição essencial para a retomada do pleno potencial de crescimento econômico no médio e longo prazo.
Mudanças na área monetária e creditícia
As sugestões nesta área seriam as seguintes:
a) Obtenção de substancial redução nos juros internos através da gradativa recomposição dos níveis reais de liquidez. Considera-se que num primeiro momento, se os juros reais declinarem dos atuais níveis de 30 a 40% a.a. para um percentual médio de 10% a.a., já haveria condições de se obter resposta positiva do setor privado. Paralelamente a essa medida, deveriam ser revistos os critérios para a fixação da correção monetária, incorporando-se nela um redutor que diminuísse seu efeito realimentador e permitisse flexibilidade para a queda nos juros reais.
b) Na área institucional, a função de “autoridade monetária” deveria ser exercida exclusivamente pelo Banco Central, separando as atividades do Banco do Brasil, que passaria a operar dentro das restrições válidas para as demais instituições bancarias. Ao Banco Central caberia assumir toda divida externa em moedas estrangeiras de responsabilidade das empresas, transformando-as em crédito em cruzeiros que seriam repassados ao mercado pelo sistema bancário, através da sistemática do contingenciamento de mix de recursos. Para completar o processo de desdolarização deveriam também ser extintas as ORTNs com clausula cambial, o que daria maiores condições para controlar os juros.
c) O sistema financeiro deveria ser reestruturado visando financiar primordialmente os investimentos privados, atenuando-se o papel da dívida pública no financiamento dos gastos do governo pela redução dos déficits do governo e das estatais. O open-market teria reduzido seu papel como elemento financiador desses déficits, com a eliminação de suas características especulativas e retorno de sua condição de instrumento regulador de liquidez.
d) Eliminação dos limites quantitativos à expansão do crédito bancário e adoção de medidas destinadas a aumentar a concorrência no mercado financeiro. Além disso, o governo deveria promover a gradativa substituição do imposto sobre operações financeiras por outros tipos de impostos.
e) Finalmente, junto à baixa das taxas de juros, o governo deveria estimular a capitalização das empresas via mercado acionário, com o fortalecimento das instituições ligadas ao mercado de capitais e estímulos à abertura do capital das empresas.
Ajustamento do setor público As sugestões de reformas na área do setor público, inclusive as estatais, consideram que o mesmo foi submetido nos últimos anos a um grave desgaste proporcionado pela crise do balanço de pagamentos e pela necessidade de captar recursos externos para financiá-la, além de toda uma política de subsídios e preços administrados destinada a conter a inflação e a promover exportações.
Como reflexo desta situação, observou-se uma elevação na participação do dispêndio público na economia, que chega a atingir, segundo alguns estudos, 50% da renda nacional. Dispêndio este não totalmente coberto pela arrecadação fiscal, o que vem implicando em um crescente déficit público financiado através de poupança privada. Partindo-se dos números do FMI que apontam um déficit público correspondente a 16,9% do PIB e considerando que aproximadamente 5% correspondem ao déficit externo, os restantes 11,5% referem-se a financiamento junto ao sistema financeiro doméstico, o que eleva as taxas de juros, implicando em maiores sacrifícios para o setor privado.
Os principais itens de ajustamento do setor público seriam: a) Déficit público – com respeito a este ítem, deveriam ser realizadas reformas visando a sua substancial redução através do controle de dispêndios e corte dos subsídios, de forma a diminuir as necessidades de transferências de recursos tributários para o orçamento monetário e das estatais. Seria respeitado nessa redução o critério de se cortar prioritariamente os gatos com custeio e subsídios, de forma a preservar ao máximo a capacidade de investimento do setor estatal. A busca do máximo de eficiência dos recursos aplicados pelo setor público deveria ser uma preocupação constante numa economia que precisa aumentar sua competitividade internacional. No caso das empresas estatais, estas deveriam ter aumentado sua capacidade de autofinanciamento, tanto pelo corte de despesas como pela elevação de receitas nos casos em que os preços se encontrem defasados. Isso contribuiria para diminuir a dependência da transferência de recursos do orçamento fiscal e, assim, reduzir a necessidade de criação de novos impostos ou de elevação da divida pública. Além disso, deveriam ser admitidos representantes dos órgãos legislativos e do setor privado nos conselhos de administração dessas empresas, de forma a aumentar o controle da sociedade sobre esse importante segmento do setor público, além da obrigatoriedade de aprovação dos respectivos orçamentos pelo Congresso Nacional.
b) Subsídios – o governo deveria promover a redução acelerada dos subsídios constantes do orçamento monetário, tais como ao trigo, petróleo, açúcar, além dos subsídios ao custeio agrícola implícitos no crédito rural. No setor agrícola, sua retirada seria compensada por uma política de preços mínimos. Os subsídios que eventualmente venham a se mostrar necessários devem constar do orçamento fiscal, de forma a que lhes seja dado cobertura tributaria especifica.
c) Reforma fiscal – a diminuição dos déficits na área do orçamento monetário e das estatais, além da redução dos subsídios fiscais levaria a menos exigências de transferências do orçamento fiscal para os demais orçamentos, que hoje atinge aproximadamente 50% da receita orçamentária. Isto ampliaria significativamente a margem de manobra do setor público sem necessidade de grandes ampliações na carga tributaria. Neste sentido, a reforma fiscal deveria visar uma distribuição mais harmônica da carga tributaria entre os contribuintes, além de evitar casuísmos do tipo Finsocial, empréstimo compulsório etc.
Outro objetivo a ser alcançado com a reforma fiscal seria a reorganização das finanças públicas do País nos diversos níveis de governo. Com isso se resolveria de forma mais estável a caótica situação financeira dos estados e municípios, restaurando a descentralização econômica, em compatibilidade com a abertura política. Isto não exclui, no entanto, medidas de emergência a serem tomadas no curto prazo.
A necessidade de uma nova política antiinflacionária
A política de ajustamento sugerida tem impactos inflacionários imediatos, embora o saneamento público e a eliminação de déficits no orçamento monetário possam contribuir para maior estabilidade de preços no futuro. De qualquer modo, esse ajustamento vem sendo cobrado pelos nossos credores, e ante a continuidade de uma política recessiva e inflacionaria, é melhor ficar com aquela que ao menos garante melhores condições para a manutenção da produção e do emprego. Neste sentido, considera-se razoável a proposição de uma desindexação dos fatores de correção monetária e salarial, como forma de evitar que os efeitos perversos de uma política de retirada de subsídios se transformem em elevação do patamar inflacionário.
Numa economia como a brasileira, em que a indexação é generalizada, o processo inflacionário adquire moto próprio através do mecanismo de realimentação proporcionado pela indexação, persistindo mesmo que as causas primárias tenham desaparecido. Isso faz com que choques externos de preços ou elevações setoriais de preços acabem se propagando para os demais setores, criando um círculo vicioso de difícil ruptura.
Nestas condições, e diante de medidas que possam provocar novos choques autônomos de preços, faz-se necessária a adoção de mecanismos de desindexação que permitam impor um redutor sobre todas as correções, englobando a correção monetária e salarial. Essa iniciativa, ainda que tenha um elevado custo social implícito, acena com a maior possibilidade de emprego, afastando a probabilidade de uma crise social de levadas proporções.
III. Restabelecimento do otimismo e da confiança Não há duvidas que o povo brasileiro deve ser claramente informado das dificuldades que o País apresenta. A idéia de que vivemos numa “ilha de tranqüilidade” não pode e nunca deveria ter sido criada. Entretanto, não podemos permitir que as pessoas percam a esperança, face às adversidades e à ausência de perspectivas pelo menos num futuro não tão remoto que não se consiga visualizar. As alterações ocorridas na política econômica após o final de 1979 têm sido tantas e com resultados tão pouco satisfatórios que levaram as pessoas a uma situação de insegurança e falta de confiança. Criou-se, sem dúvida, um problema de credibilidade que precisa ser superado em curto prazo. Algumas das medidas econômicas aqui enunciadas poderão sofrer modificações, sem prejuízo do sucesso na sua aplicação. Mas para que este seja alcançado é necessário que toda a nação brasileira esteja convicta de que estamos tomando as medidas corretas para a superação das dificuldades. Se houver um consenso sobre isto, as pessoas poderão estar dispostas até a alguns sacrifícios imediatos em beneficio de um futuro melhor. Em resumo, nenhum programa econômico terá sucesso pleno sem o necessário respaldo político-social. Todos os brasileiros devem ter em mente que não vivemos numa “ilha de tranqüilidade”, mas num país com dificuldades, como muitos outros neste mundo contemporâneo. Um país que, entretanto, tem um enorme potencial, é extremante viável e que o esforço de todos superará suas dificuldades num prazo não muito longo.