O fraco desempenho de nossas exportações, as elevadas taxas de juros no mercado financeiro internacional, reflexo de uma conjuntura externa de crise, e o recrudescimento da taxa de inflação (que volta a se aproximar do terceiro dígito) trouxeram novamente à tona preocupações com as perspectivas para a economia brasileira. É natural que neste momento de intensas preocupações, algumas propostas de caráter imediatista tenham surgido. Afinal queremos todos ver minimizado o desequilíbrio das contas externas e reduzido o mais rapidamente possível o atual patamar inflacionário.
Porém, passada a fase mais emocional, é fundamental que aprofundemos a reflexão adotando uma perspectiva de longo prazo. Temos que nos libertar rapidamente de uma aparente falta de alternativas que nos asfixia no curto prazo e pode levar o País a novas medidas recessivas, ou, a experiências que ponham em risco o nosso parque industrial.
Alguns setores voltam a enfatizar a necessidade de medidas ainda mais restritivas. Tenho certeza de que esta posição não encontra respaldo junto ao empresariado, nem junto aos demais segmentos da sociedade brasileira. A própria experiência do ano passado nos mostra que os ganhos obtidos com a política recessiva são diminutos face aos enormes custos sociais por ela provocados, e mais, a repetição por mais um ano desta política certamente trará resultados cada vez menores com custos cada vez maiores, e que poderão comprometer a estabilidade social do País.
São várias as razões que explicam a ineficácia de uma nova rodada de política restritiva. A existência de uma ampla capacidade ociosa na economia, o que reduz sua produtividade; a rentabilidade já bastante deprimida, principalmente entre os setores mais competitivos; o baixo nível de capitalização do setor privado e a crescente pressão dos custos financeiros na estrutura de custo total das empresas. Todos estes fatores tornam as empresas extremamente vulneráveis a um novo choque recessivo, especialmente as pequenas e médias que, além das dificuldades já apontadas, encontram sérios limites à obtenção de crédito junto ao sistema bancário.
A redução do patamar inflacionário no segundo semestre do ano passado deveu-se basicamente à desaceleração nos preços agrícolas e à redução das margens nos setores mais competitivos da indústria com menores possibilidades de repassar ao mercado os aumentos de custo. Esta solução é, entretanto, insustentável a prazos mais longos, pois implicaria no desaparecimento das empresas destes setores. Se as causas mais profundas de elevação do patamar inflacionário não forem atacadas, a política recessiva apenas produzirá ganhos reduzidos e temporários em uma economia indexada como a nossa, pois ao primeiro sinal de recuperação da atividade econômica, os preços serão novamente reajustados a fim de recompor as margens sacrificadas. O recrudescimento da taxa de inflação no primeiro semestre deste ano demonstra bem este fato.
Já no setor externo, com a expansão de nossas exportações limitadas pela conjuntura internacional de crise, serão também pequenos os resultados que podem ser obtidos por uma nova recessão se considerarmos que as nossas importações no primeiro semestre deste ano já se encontram em um nível 13,8 % inferior ao primeiro semestre do ano passado. E mais, considerando também que o nosso principal problema neste front tem sido a elevação das despesas de juros, que no primeiro trimestre deste ano corresponderam a 56,6% de nossa receita de exportação, vale lembrar que nenhuma política restritiva interna poderia exercer algum efeito sobre esta variável.
Se o que buscamos é uma solução para o problema econômico brasileiro, é de fundamental importância que este problema seja analisado dentro de uma visão de médio e longo prazo onde se procure equacionar e resolver as causas mais profundas, tanto do processo quanto do desequilíbrio do setor externo. É preciso que se defina uma estratégia coerente para solucionar os nossos problemas contando com a credibilidade de toda a sociedade, que está disposta a suportar sacrifícios desde que participe e acredite que os ônus estarão sendo suportados igualmente por todos. Dentro deste contexto, e para evitar a miopia imposta pelos problemas de curto prazo, proponho alguns pontos que necessitam ser profundamente rediscutidos.
O primeiro é a questão do equacionamento do déficit conjunto do gasto do setor público que alcançou segundo algumas estimativas 6% do PIB. Uma discussão que passa necessariamente pela unificação dos orçamentos, primeiro passo na mensuração do real desequilíbrio orçamentário do Governo; pela discussão da validade e da extensão dos subsídios; pelo amplo debate da reforma tributaria e mesmo pela redefinição do papel do estado empresário. Uma busca de soluções que elimine o descontrole monetário, reduza a expansão da dívida pública e afaste para sempre soluções de emergência.
O segundo é a questão da definição mais detalhada de um verdadeiro plano nacional de desenvolvimento de longo prazo, compatível com as nossas limitações externas e que acima de tudo explore ao máximo o nosso imenso potencial de expansão interna. Neste plano é preciso de um lado acelerar e redirecionar investimentos para setores menos dependentes de importações ou que substituam importações, particularmente energia. De outro é preciso desenvolver uma nova política tecnológica e industrial voltada para incentivar as exportações de uma forma mais seletiva para que possamos alcançar resultados mais duradouros. A agricultura também deveria merecer uma atenção especial por sua capacidade de absorver mão-de-obra, problema social crucial dos próximos anos e por ser um grande mercado potencial de produtos industrializados ainda não explorados. Este plano de desenvolvimento somente poderá ser implementado quando o problema do déficit do setor publico for solucionado e formas não inflacionárias de financiamentos de investimentos forem desenvolvidas.
As medidas de curto prazo deveriam ficar subordinadas e se constituírem em instrumentos para implantação da estratégia global de longo prazo. Com isso elas adquiririam maior consistência e permitiriam aos empresários ter uma visão mais nítida do cenário futuro da nossa economia.
De imediato, impõem-se algumas medidas que tornem a nossa economia mais refrataria à crise internacional e às elevadas taxas de juros, condição fundamental para a retomada do crescimento. Para que isto seja possível, é preciso liberar a taxa de juros interna da externa através da vinculação de empréstimos bancários oriundos de recursos internos e externos. De outra forma, a recuperação ora em andamento será prematuramente estancada. É preciso também que medidas fiscais e monetárias sejam tomadas de modo que a recuperação seja seletiva e o seu impacto sob a balança comercial seja menor.
Por ultimo, mas nem por isso menos importante, é fundamental a discussão de formas mais concretas de participação dos vários segmentos da sociedade visando aumentar a credibilidade na política econômica.
São estas, em minha opinião as questões que podem conduzir a uma real solução dos problemas econômicos brasileiros. Ou enfrentamos os problemas dentro de uma estratégia bem definida de médio e longo prazo ou as dificuldades imediatas poderão comprometer o desenvolvimento futuro do País.